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SER DEVEDOR NÃO DÁ CADEIA, MAS PODE IMPEDIR DE VIAJAR, DE DIRIGIR E DE USAR CARTÃO DE CRÉDITO

por Becker Direito Empresarial
24 de Janeiro, 2019

Por Marília Jacob, Advogada Cível da BECKER DIREITO EMPRESARIAL.

No Brasil, ser devedor e não pagar a dívida não é motivo para prisão, mas pode ser um impedimento para desfrutar as merecidas e esperadas férias ou até mesmo uma promissora viagem de negócios quando o destino for o exterior. Desde que entrou em vigor o Código de Processo Civil de 2015, alguns juízes passaram a adotar medidas para compelir o devedor ao pagamento, como apreensão de passaporte, apreensão de CNH e apreensão de cartão de crédito. O cenário recorrente no Brasil é o devedor não pagar, não possuir bens em seu nome e não poder ser forçado a pagar mediante prisão (salvo em caso de prestação alimentícia), tornando trabalhosa e frustrante a expectativa do credor em receber. Além disso, geralmente quem deve não deixa dinheiro em contas e aplicações, não sendo atingido pela penhora online. O devedor que “foge” de sua obrigação com a ocultação de patrimônio (registrado em nome de terceiros, por exemplo), ou mesmo o devedor que apesar de realmente não possuir patrimônio não passa dificuldades financeiras mas não paga seu credor, não encontra mais na inexistência de patrimônio um salvo-conduto para eximir-se “sem castigo” de sua obrigação. Após a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, começaram a ser proferidas decisões que dificultam a vida do devedor, como as que suspendem a CNH, suspendem o passaporte e determinam o bloqueio dos cartões de crédito até que a dívida seja paga. Em uma das primeiras decisões proferidas no país por uma vara cível da Comarca de São Paulo, a juíza considerou que “a estrutura jurídica brasileira traz uma cultura de estímulo ao devedor contumaz que usa de vias paralelas para se esquivar de suas obrigações com a blindagem patrimonial que permite o desvio de patrimônio e descumprimento das obrigações”. Essa decisão foi dada em agosto de 2016, mas foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo por meio de habeas corpus (autos no 2183713-85.2016.8.26.0000). Em 29 de março de 2017, no Tribunal de Justiça do Paraná, a Desembargadora Themis de Almeida Furquim Cortes, Relatora dos autos nº 0041463-42.2016.8.16.0000 também considerou que o devedor apresentava um padrão de vida elevado, mas se tratava de “devedor profissional” que blindava patrimônio. Para a magistrada, em situações como essa é possível a suspensão da CNH e do passaporte. Também existem decisões em sentido contrário, que rejeitam o pedido de suspensão da CNH e passaporte. Essas decisões têm como base o princípio da menor onerosidade do devedor, o direito constitucional de locomoção e o princípio do resultado da execução, já que a retenção da CNH e do passaporte não traria para o credor o pagamento do seu crédito, mas apenas a persuasão do devedor ao pagamento. O tema está distante de ser pacífico. O Superior Tribunal de Justiça manteve em sede de julgamento de habeas corpus uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a retenção do passaporte e da carteira de motorista do devedor. O Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que não houve desproporcionalidade na medida (HC 443348). O mesmo Ministro Luis Felipe Salomão, ao julgar outro recurso (HC 97876) que visava à liberação do passaporte e CNH de devedor cujo débito atingia o valor de R$ 16.859,10, consignou que a medida era ilegal e arbitrária. Recentemente, em dezembro de 2018, o STJ negou um habeas corpus (HC 99606) interposto contra decisão de suspensão de carteira de habilitação e suspensão do passaporte. A decisão ressalvou a possibilidade de modificação posterior da medida de constrição caso venha a ser apresentada sugestão alternativa de pagamento. Todas essas discussões jurídicas decorrem da nova interpretação da lei, que confere poderes atípicos de cobrança ao juiz para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive para pagamento de dívida. Não há atualmente entendimento consolidado sobre o assunto nos Tribunais brasileiros, inclusive porque a razoabilidade e a proporcionalidade da medida só pode ser analisada no caso concreto, já que o tema tem fundamento tanto para aplicar como para vedar a prática das medidas coercitivas em face dos devedores. Apesar da falta de uma diretriz mais definida sobre a possibilidade de bloqueio de cartão de crédito e apreensão de passaporte e CNH, o crescente de número de decisões nesse sentido dá esperança e conforto a credores desacreditados pela blindagem patrimonial dos devedores que possuem patrimônio oculto e que não sofrem qualquer abalo na “boa vida” justamente para não pagarem suas obrigações. Como exposto pela Desembargadora Themis de Almeida Furquim Cortes do Tribunal de Justiça do Paraná, as medidas coercitivas não visam atingir devedores que não têm mais condições para honrar qualquer compromisso financeiro, mas sim os devedores que conseguem blindar seu patrimônio contra os credores com o objetivo de não serem obrigados a pagar os débitos. Uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (autos n0 0431358-49.2016.8.21.7000) suspendeu a carteira de motorista de um pai que deixou de pagar pensão alimentícia aos filhos. O Relator considerou que a medida não fere o direito de ir e vir do devedor já que ele segue podendo ir e vir, desde que o faça a pé, de carona ou de transporte público. O contrário disso seria dizer que os não-habilitados a dirigir não podem ir e vir, “inverdade absoluta”, pontuou, na decisão.
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