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O Rol da ANS e a insegurança jurídica

Em junho de 2022, o STJ unificou o entendimento e estabeleceu que o rol é taxativo mitigado, leia nosso artigo e entenda.
Marilia Bugalho Pioli
05 de Setembro, 2022

Por muito tempo requerer judicialmente determinado tratamento negado pelo plano de saúde dependia essencialmente de sorte. Isso porque no STJ uma Turma afirmava que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) era taxativo (então se não estava no rol o plano não era obrigado a custear o tratamento) e outra Turma considerava o rol exemplificativo, o que obrigava o plano ao custeio. Em outras palavras, conseguir judicialmente um tratamento de saúde não dependia da lei, mas sim do entendimento particular do grupo (Turmas ou Câmaras) a quem coubesse julgar o processo.

Em junho de 2022, o STJ unificou o entendimento e estabeleceu que o rol é taxativo mitigado, o que significa que para excepcionar a taxatividade alguns requisitos precisam ser provados. 

Em reação à decisão do STJ, foi apresentado um projeto de lei (PL) na Câmara dos Deputados pelo qual o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde torna-se apenas uma “referência básica” para a cobertura dos planos de saúde, ou seja, o rol, que pelo entendimento do Poder Judiciário é taxativo, passa a ser exemplificativo por ação do Poder Legislativo.

O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e em 29.08.2022 foi aprovado pelo Senado. Pelo texto, os planos de saúde poderão ser obrigados a financiar tratamentos de saúde que não estiverem na lista mantida pela ANS desde que tenha eficácia comprovada cientificamente, que seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou seja recomendado por pelo menos um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.

Obviamente a polêmica questão reúne defensores pró e contra a classificação do rol como exemplificativo, cada lado com argumentos válidos e que devem ser considerados, seja a necessidade e a importância do tratamento de saúde a quem dele precisa, seja a questão econômico-financeira do custo dos planos de saúde com a imprevisibilidade dos tratamentos que vierem a ser necessários.

Não faltarão textos e artigos de renomados experts com fundamentados argumentos para dissecar a discussão e conduzir cada leitor e cada estudioso à sua própria conclusão. Nossa intenção, nesse curto texto, não é enveredar no mérito da classificação do rol, mas enfocar uma questão que corre em paralelo à discussão sobre o acerto ou erro da decisão do STJ ou do PL que agora segue para a sanção presidencial.

O que chama a atenção no tema é a insegurança jurídica que assustadoramente se enraíza no país. Inicialmente há a insegurança jurídica dos próprios Tribunais. A lei é única, mas as interpretações são múltiplas, o que faz muitos dos princípios e institutos do Direito limitarem-se ao papel e distanciarem-se da prática. Sem exagero, o resultado de muitas demandas judiciais depende da sorte de quem litiga porque não há um direcionamento jurisprudencial claro e confiável. Não bastasse isso, os Poderes da República cooperam com a insegurança jurídica ao tomarem decisões e caminhos que contrariam o que já foi definido por outro dos Poderes.

Embora tenhamos nossa opinião sobre a questão em si (rol taxativo x rol exemplificativo), importante reiterar que não estamos aqui defendendo uma ou outra posição quanto à decisão do STJ ou quanto ao teor do PL. O que queremos trazer à reflexão é a incerteza de análises jurídicas porque além da gangorra jurisprudencial, instala-se um “cabo de força” entre os Poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário) com a modificação constante de situações jurídicas conduzidas por outros Poderes. 

Em poucos meses a situação jurídica de um pedido de tratamento médico negado por plano de saúde mudou diametralmente e mais de uma vez. Antes de junho de 2022 quem recorresse ao Poder Judiciário requerendo tratamento contaria essencialmente com a sorte de o processo ser analisado por Magistrados que adotassem a “linha de entendimento” que afirmava ser o rol exemplificativo. A partir de junho, com a decisão unificada do STJ a obtenção do tratamento negado (com fundamento em não estar previsto no rol) não ficou impossível, mas certamente bem mais trabalhosa diante dos exigidos requisitos para a excepcionalidade da concessão do tratamento. Com a alteração legislativa os ventos mudam de direção, mas seguem incertos porque eventuais discussões sobre a esperada nova lei podem voltar ao Poder Judiciário.

Marilia Bugalho Pioli
Advogado
Sócia na área de Direito Cível, Direito Público e Direito da Saúde, atua perante vários órgãos públicos, agências (ANTT, ANS, Anvisa,...) e Conselhos Profissionais. Na área da saúde tem vasta experiência em responsabilidade civil por erro médico e defesa de profissionais em Processos Ético-Profissionais. Foi também professora de Legislação aplicada à Saúde em cursos de MBA e é palestrante.
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